OPINIÃO: Diante de tudo que tem e não tem ocorrido, a saída dos clubes brasileiros da Conmebol é algo que realmente merece ser pensado

O racismo não vai desaparecer se os clubes brasileiros decidirem, juntos, boicotar as competições da Conmebol, mas a entidade que comanda o futebol sul-americano levaria um golpe histórico e impactante, que a forçaria a adotar medidas muito mais rigorosas contra esse problema.
Após o emocionante e valente desabafo do jovem Luighi, do Palmeiras, na Libertadores sub-20, em que ele cobrou até o repórter que o entrevistava por não abordar os casos de racismo no jogo contra o Cerro Porteño, a Conmebol acabou pressionada a tomar uma postura mais firme sobre o assunto.
A punição aplicada ao time paraguaio, porém, foi leve e causou uma enorme indignação no Brasil. Tanto que o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, e a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, decidiram não comparecer ao sorteio da Libertadores e da Sul-Americana, realizado em Luque, na região metropolitana de Assunção.
O discurso (em português, numa tentativa de agradar aos brasileiros) do presidente da Conmebol, Alejandro Domínguez, soou quase como algo protocolar, praticamente se eximindo da responsabilidade sobre os casos de racismo, alegando que esses seriam problemas da sociedade que o futebol não poderia enfrentar de forma mais séria.
Para completar (com um toque de algo que certamente não tem valor), o principal dirigente da Conmebol, com um sorriso de quem está satisfeito, soltou uma frase (que ele diz ser conhecida) afirmando que a Libertadores sem brasileiros seria como “Tarzan sem a Chita”, a macaca que acompanha o herói clássico de filmes e séries. Um absurdo!
Tentar derrubar Alejandro Domínguez de seu cargo na Fifa é uma possibilidade diante dessas atitudes recentes e lamentáveis em nosso continente, mas isso envolve muita política entre federações e dificilmente traria resultados a curto ou médio prazo.
A proposta corajosa de Leila Pereira (que, como todos, tem seus defeitos, mas é determinada em suas posições e não teme enfrentar batalhas duras) de que os clubes brasileiros deixem as competições da Conmebol merece, sim, um debate sério.
Se não for viável para este ano por causa de contratos, multas e torneios já em andamento, é algo que pode ser discutido para os próximos anos.
Ou a Conmebol começa a punir o racismo com algo mais severo do que multas de US$ 50 mil e jogos com portões fechados, ou a maior economia da América do Sul abandona a Libertadores, a Sul-Americana e, por consequência, a Recopa.
Isso acabaria com a recente supremacia brasileira no continente, o que poderia agradar nossos vizinhos que não conquistam títulos há tempos, mas os cofres da Conmebol sentiriam um impacto significativo. Os valores pagos pela entidade têm crescido bastante graças aos clubes, patrocinadores e à mídia brasileira.
Se esse “grupo brasileiro” virar as costas para a Conmebol, ela será a maior prejudicada. O que ela poderia fazer em resposta? Atacar a seleção brasileira? Talvez, mas duvido que ela impediria o país pentacampeão mundial de disputar a Copa.
Os clubes brasileiros ficariam, sim, fora do Mundial de Clubes e da Copa Intercontinental, mas isso aconteceria simplesmente porque não venceriam mais a Libertadores nem estariam bem posicionados no ranking da Conmebol.
Os clubes ingleses já ficaram cinco anos sem participar das competições da Uefa, enfrentando uma punição coletiva dura por causa do hooliganismo, a violência extrema de torcedores radicais.
Aqui na América do Sul, poderíamos ver o oposto: times se ausentando de torneios por serem vítimas de violência, com seus jogadores e outros profissionais sendo alvos de gestos imitando macacos e outras ofensas racistas.
A Conmebol anunciou que criará uma espécie de comissão para trabalhar junto aos governos dos países filiados no combate ao racismo.
Cada país tem suas leis. No Brasil, estamos bem avançados na legislação contra o racismo, e mesmo assim os casos seguem acontecendo, inclusive no futebol (um segurança do Palmeiras sentiu isso na pele há poucas semanas, sendo insultado por uma “autoridade” no interior de São Paulo).
No Paraguai, também existe uma lei contra o racismo, embora mais branda (desde 2022, a legislação paraguaia prevê multa de até R$ 7,8 mil para quem cometer “atos discriminatórios e racistas”).
O presidente do Cerro Porteño, Raúl Zapag, demonstrou pouco interesse pela causa ao conversar, sorridente, com o vice-presidente do Palmeiras, Paulo Buosi, durante o sorteio da Libertadores.
Enquanto o dirigente brasileiro falava da importância de todos se unirem contra esse problema social, o cartola paraguaio pedia para mudar de assunto e dizia, orgulhoso, que a presidente Leila Pereira seria recebida em Assunção como uma “rainha” (mais uma vez, o Palmeiras enfrentará o Cerro Porteño no torneio).
É inegável que o racismo é um tema muito mais sensível e doloroso no Brasil do que em outros países do continente. Vale lembrar que a América do Sul carrega diversos preconceitos que se refletem no futebol.
Ainda há muita provocação contra povos indígenas, discriminação por questões econômicas — com torcedores rasgando dinheiro nos estádios para humilhar adversários —, rivalidades históricas ligadas a disputas de fronteira ou guerras que geram xenofobia, além de homofobia e misoginia em grande quantidade.
Quantas vezes não ouvimos que nossos vizinhos são todos “chicanos” (o México nem participa mais dos torneios da Conmebol há anos), que nada presta no Paraguai, ou que bolivianos, chilenos e peruanos são “índios”? Eu percebi o ódio que existe, por exemplo, entre chilenos, peruanos e bolivianos viajando pelo continente como turista e jornalista.
Esse rancor não nasce no esporte, mas chega ao futebol com força, já que ele é uma expressão popular em nosso continente, uma paixão que também carrega patriotismo e provocações aos vizinhos.
Claro que tudo isso não vai acabar se um país boicotar a Conmebol, até porque já houve desistências e abandonos no passado por diferentes motivos. Mas, neste momento, acredito que seria uma mensagem poderosa do Brasil na luta contra o racismo.
Teria um impacto positivo dentro e fora do país, pois alguém, finalmente, tomaria uma atitude drástica que destaca a gravidade desse problema terrível.
Assim como a Inglaterra mudou radicalmente no futebol após ser banida das competições da Uefa por causa da violência de seus torcedores, penso que a América do Sul poderia ser um pouco diferente se esse movimento nacional contra o racismo nos torneios da Conmebol realmente acontecer.
Sabemos que o calendário brasileiro é apertado, e, na prática, até haveria um alívio para os clubes do país. Quanto a jogar na Concacaf, como Leila Pereira sugeriu, não acho uma ideia boa nem muito prática.
Se for para deixar a Conmebol temporariamente, que seja um período de pausa, um momento de reflexão para os racistas e para as autoridades que ainda não entenderam que essa praga social exige punições duras e exemplares.
As opiniões expressas neste texto não refletem, necessariamente, a posição da Futebolscore.
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